MÚSICA: Mombojó


É indiscutível. Pernambuco tem sua própria identidade cultural ao menos no que tange à musica, à literatura e ao cinema. Gosto mais da música do que até da literatura. Nessa arte prefiro os alagoanos. Mas com os instrumentos, os pernambucanos são imbatíveis. Ganham de lavada dos tão proclamados "mais desenvolvidos" sulistas dessa nova geração. Não é novidade que PE cria sólidas estéticas sonoras desde o frevo, por exemplo. Chico Science e Nação Zumbi, já falado aqui no TM com seu petardo Da Lama Ao Caos,  é apenas um dos tantos filhotes de ótimo gosto musical e excepcional qualidade criativa entre tantos outros - Mestre Ambrósio, Devotos, Lenine, Mundo Livre S/A, Eddie... Só para citar os mais recentes.

Formado em 2001, chegava a vez do Mombojó chamar para si a responsabilidade de fazer um som verdadeiro em meio a lamaceira de estilos importados e traduzidos em coisas esdrúxulas do tipo: sertanejo universitário, pagode universitário, forró universitário e qualquer-merda universitário. Tudo bem que nossos universitários não são lá muito diferentes dos estudantes do ensino médio intelectualmente falando, assim como esses também não são muito diferente dos do ensino básico e assim sucessivamente, mas não precisa usar um termo que deveria ser usado nos meios acadêmicos e pregá-lo no que há de pior na nossa música. Fico aqui esperando quando esses produtores picaretas, que se acostumaram a também mamar nas tetas do governo, vão aparecer com o rock universitário... Bem, vamos falar de coisa boa.

Com Chiquinho no teclado e sampler, Felipe S. no vocal e guitarra, Marcelo Machado na guitarra solo, Samuel no baixo e Vicente Machado na bateria a banda começou já no ano seguinte da formação a participar dos principais eventos musicais de Pernambuco, entre eles o festival Abril Pro Rock. Em 2004 lançam Nadadenovo recebendo críticas entusiasmadas dos dos veículos especializados até ser lançado pela saudosa revista Outracoisa, que já lançou entre outros B Negão e Os Seletores de Frequência, com excelente receptividade. Em 2005 são contratados pela gravadora Trama e no seguinte ano lançam Homem-Espuma. Mas é com Amigo do Tempo de 2010 que o grupo amadurece. Estão nesse disco as melhores canções da banda, até o presente, claro. O disco abre com Entre A União E A Saudade, um elo entre o rock psicodélico de temas eletrônicos com música brasileira, para logo em seguida uma guitarra tomar as rédeas trazendo o ouvinte de volta ao chão, instrumentos de sopros voltam à carga com a levada progressiva enquanto a letra de cunho existencialista sem niilismos seduz. É nesse momento que se percebe já estarmos repetindo a música sem perceber...

Antimonotonia vem entrando no espaço com um "riff" de violino
que abre alas para um baixo surf music nervoso, enquanto órgãos clássicos misturam-se com a bateria elevando o clima para a voz grave que declama uma letra sobre como expulsar esse mal que aflige boa parte de nós: a monotonia. e não é que conseguem? Quando menos se espera já estamos nos mexendo aos som dos solos de guitarra e pulando na cadencia desses meninos que fazem rock com tuba! Passarinho Colorido acompanha a levada rápida com um riff de guitarra e bateria acelerada para fazer a cama da inteligente letra: "Um certo autismo me salva...". A essa altura alguns podem querer compara-los aos Los Hermanos, porém é importante lembrar que é esse tipo de estética que ambas as bandas possuem que se alcança quando bebe-se de fontes musicais clássicas análogas como o samba, rock, jazz, blues, etc. E não, eles não são uma imitação. Eles tem personalidade própria. Só por possuírem isso no Brasil, merecem pontos.

O disco segue à risca a regra que enaltece a mescla de rock com samples de instrumentos clássicos e letras espertas inseridos numa moldura única. Justamente, é uma canção que vem acompanhada de flauta enquanto Felipe S. reverbera uma verdade de todos nós, cidadãos submissos: "Todo pensamento vem e vai, todo sentimento se desfaz, Quando a vida não tem e você não corre atrás. O jornal me cala e o silêncio anula como o tempo que já ficou pra trás. Preciso me esforçar mais..."  O álbum segue impecável com Qualquer Conclusão e A Praia da Solidão até chegar a hora da excepcional Casa Caiada e seu estonteante racionalismo traduzido na letra que aborda mais uma vez o existencialismo sem usar o niilismo barato: "Casa caiada não sou mais quem fui, vejo perigo em qualquer lugar..."

No apagar das luzes do disco ainda é possível encontrar canções acima de média. Aumenta o Volume pede a música que sucede Casa Caiada sem saber que desde a primeira música a vontade de aumentar o volume já havia sido saciada. Triste Demais prepara a cama com samples, para que a faixa-título viesse à tona cheia de efeitos duelando com um riff e com uma letra ácida porém intimista. Encerrando os trabalhos, aparece a jovemguardiana Papapa, uma música que tem o tom de animar qualquer cervejada. Amigo do Tempo é um grande disco. Perceber que artistas competentes e talentosos como Mombojó e outros, não tem o devido reconhecimento graças à um grande público anestesiado pela fácil digestão da baixa cultura empurrada pelos veículos de comunicação vendidos e mal intencionados brasileiros, é algo que me causa maior desgosto como cidadão.


Walter A.
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