Família, filhos e educação. Questões jurídicas, sociais e a (não)evolução da realidade brasileira

No Brasil a família e seu conceito passou por significativas mudanças com o passar do tempo. A respeito de tal núcleo social, a filiação (relação de parentesco) é um dos aspectos mais controvertidos e também que mais evoluiu nos últimos tempos, posto que (sabiamente) chegamos ao patamar de concluir que a relação pai/mãe/filho não decorre simplesmente do casamento ou da ligação biológica e discutir a chamada multiparentalidade e pluripaternidade.

A família é um núcleo social que influencia diretamente para o desenvolvimento de uma nação, independentemente de seu cunho religioso.
No tocante a filiação e suas consequências sociais não raras foram as vezes que escutei (na rua, no trabalho, em conversas familiares ou com amigos) que no Brasil “nasce menino toda hora e não tem lugar pra tanto brugelo” (sic) ou “fulano de tal e sicrana não cansam de fazer filho.” (sic). Ou ainda “Esses pobres e miseráveis só sabem procriar, será que eles não tem televisão em casa?”(sic).

De fato, à primeira vista parece que por aqui bebês aparecem do nada, mas a taxa de natalidade brasileira atualmente não é tão alta como aparenta (1,73 nascimentos/mulher/ano de 2016), ainda mais se comparada a outros países próximos do ponto de vista social e econômico, como, por exemplo, Argentina (2,29), México (2,18) e até mesmo os Estados Unidos (1,80). Dados do Banco Mundial.

Com base nesse raciocínio espontâneo, muitos defendem que o Governo deve incentivar ou até mesmo impor controle de natalidade, como ocorre na República Popular da China.

Certa vez um cartola de um conhecido clube de futebol brasileiro chegou a falar algo em uma coletiva de imprensa que fez este vos escreve refletir sobre os temas aqui abordados. Foi um dos gatinhos para este texto.

Referindo-se à violência entre torcidas, tal cartola afirmou o seguinte: “Temos que implantar um controle de natalidade. É uma violência enorme contra o ser humano, contra os meus princípios, contra tudo o que aprendi na minha vida, mas nosso país não dá conta da demanda de pessoas que temos.

Não obstante tudo isso, a Constituição da República Federativa Brasileira, em seu art. 226, parágrafo 7º, estatuiu que o planejamento familiar é de livre decisão do casal (ou da família), sendo proibido ao Estado qualquer forma de impor regras às decisões dos pais/mães sobre a constituição familiar.

Perceba-se que a Constituição é a norma maior do ordenamento jurídico pátrio e toda as Leis e atos normativos devem estar de acordo com o que ela prevê, sob pena de haver inconstitucionalidade e invalidade de regra que discipline em contrário.

O que a Constituição prevê nada mais é do que a ideia de que o Estado não pode influir ou exigir comportamento familiar no sentido de reduzir ou aumentar a taxa de natalidade.

É autorizado que o Estado somente auxilie as famílias através de recursos educacionais (campanhas publicitárias, trabalhos de conscientização social, educação sexual etc) e científicos (métodos contraceptivos e de esterilização voluntária) a fim de que cada qual decida o que é melhor para si e para sua família.

O cerne da questão é exatamente esse: a Constituição manda nesse sentido, mas a sociedade brasileira está preparada para atuar conscientemente da forma prevista pela regra jurídica maior do Estado brasileiro?

Ademais, existe a Lei n. 9.263/96 que regula o supracitado artigo constitucional, estabelecendo uma política de planejamento familiar. Na referida Lei é onde consta a regra sobre a realização da esterilização voluntária, no sentido de que ela somente pode ocorrer em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico; e em caso de risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por dois médicos.

Art. 10. Somente é permitida a esterilização voluntária nas seguintes situações:
I — em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce;
II — risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por dois médicos.

Mais: é necessário expressa manifestação da vontade em documento escrito, respeitar os períodos do parto e aborto, se for o caso, e somente aceita-se a execução através da laqueadura tubária, vasectomia ou de outro método cientificamente aceito. Para além, temos ainda a exigência que sendo casados ou diante de união estável, a esterilização depende do consentimento de ambos os envolvidos.

A Lei n. 9.263/96 ainda prevê que toda esterilização cirúrgica será objeto de notificação compulsória à direção do Sistema Único de Saúde. Por fim, vale dizer que realizar esterilização cirúrgica em desacordo com o estabelecido na lei é crime com pena de reclusão de dois a oito anos e multa.
Atualmente a lei do planejamento familiar possui propostas legislativas de parlamentares para atualização, visando, principalmente afastar a exigência de consentimento do casal e o requisito dos dois filhos vivos ou ao menos 25 anos para solicitar o procedimento.

O Supremo Tribunal Federal em pelo menos duas ações possíveis de identificar (Processos: ADIn 5.911 e ADIn 5.097) foi chamado a se posicionar sobre a constitucionalidade de trechos da lei. Os processos seguem sem julgamento até a publicação desse post.

Outro ponto: em que pese a aderência e simpatia de muitos à proposta de produção legal de autoria do então Deputado Federal do Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro, ainda não se admite até aqui, por força de princípios constitucionais — como o da dignidade da pessoa humana — a esterilização de criminosos sexuais (condenados por crimes contra a liberdade sexual, tal como o estupro, por exemplo), o que seria chamado de “castração química”.

A título de curiosidade, a dita castração química (utilização de substâncias que, por meio do bloqueio do hormônio sexual masculino (testosterona), cessam a libido) é admitida em diversas países e, na América Latina, tem previsão para condenados por prática de crimes contra a liberdade sexual na Argentina, Colômbia e México, de acordo com dados do Jornal O Estado de S. Paulo.

Métodos para contracepção voluntária ou não, como o caso dos condenados por crimes sexuais, existem, possuem previsão de uso na legislação brasileira (salvo a castração química, que ainda está em discussão entre nossos representantes eleitos) e até são de fato utilizados. Mas para além de métodos de controle de natalidade pode-se dizer que há uma pujante falha governamental e até da sociedade civil organizada na promoção de condições e recursos informativos e educacionais, que assegurem o livre exercício do planejamento familiar.

Ao nosso sentir o panorama social brasileiro caminha para um desregramento generalizado no tocante à educação básica e fundamental, o que passa, necessariamente, pela falta de vagas adequadas e de qualidade no ensino devido ao grande número de crianças e adolescentes e ao pífio quadro de escolas e profissionais da educação.

Pior: a falta de uma educação de qualidade leva ao indevido planejamento familiar, mesmo com todos os investimentos do Governo em educação e prevenção de natalidade nesse sentido.

A Constituição brasileira, com a aqui já mencionada Lei Federal e demais atos normativos não autorizam o controle de natalidade no patamar de política pública.

Entendo que tal escolha vai de encontro à princípios sociais e jurídicos estabelecidos como parâmetros para o desenvolvimentos da sociedade brasileira. Se as ações governamentais e a própria sociedade civil se revelam insuficientes em realizar o devido planejamento familiar, no geral a fim de minimizar as mazelas sociais, as quais, tão somente com programas sociais de distribuição de renda não serão ultrapassadas, restará ao Brasil um eterno lugar no pódio do subdesenvolvimento.

A família e o planejamento familiar previstos na Constituição estão afastados da realidade oferecida pelo Poder Público. A filiação e seus aspectos e evoluções (paternidade/maternidade homoafetiva, vínculo socioafetivo etc) são meios sócio-jurídicos que expressam até certa evolução da sociedade brasileira, mas não refletem no quadro geral. O Brasil sendo o país das leis e institutos jurídicos moderno e da realidade devastadora do subdesenvolvimento, onde a lei não alcança o indivíduo.


Links das referências:

Comentários